sábado, 24 de janeiro de 2009

EU PRECISO DIZER ADEUS - CINTIA TOMÉ, SÃO PAULO-SP,23/01/2009,20:15.


Eu preciso dizer Adeus
Às paredes que grafitam poesia

Do dia-a-dia das guias, das agonias

Do asfalto frio que não me vê

Na esquina da solidão

Da Consolação, cão faminto

Tão sozinho


Eu preciso dizer Adeus

À fumaça das fábricas, dos carros

No proibido das faixas neon

Ao lixo, aos escarros

Aos trincados telhados

Ao quartel, ao cartel, patrulha

Aos negros gatos


Eu preciso dizer Adeus

Aos prédios espelhados

Reflexos de mim, tempo molhado

À garoa da minha fé retrô

Nos trilhos, no metrô, à Praça da Sé

Aos ambulantes e andantes sem café,

Pedantes, arrogantes elegantes


Eu preciso dizer Adeus

A toda gente que aqui não tem lugar

Ao parque que eu também corria

Que há poeira nas flores, no ar

No descanso no Ibirapuera

Beijos no Arouche, carinho fugaz

Carrinho de mão, verdura e limão

Velho moço, velha lata, idoso

Na casa papelão, na escadaria

À gritaria, aos fumantes. Droga!

Às Catedrais, ais.

Escadas rolantes, finos barbantes


Eu preciso dizer Adeus

À minha amiga Paulista

Que tem pista e sombra que zomba

Nos spots e placas oportunistas

Dos trapezistas e alpinistas

Nas pernas de pau e sale

Preço da fantasia, álcool e gasolina

Do tostão, da creolina, fedentina, das Carolinas

Que perdi o passe e não vejo qualquer estação

Ao portão do não que arromba

Ao pedinte que ronda. Rapadura!


Eu preciso dizer Adeus

Ao gelado da contramão

Do 13 ou 23 de maios já vãos

No sinal entoando vermelha paixão

Sem ensaios, desmaios

Do palhaço, do cordel, do cantador

Sem outdoor encantador


Eu preciso dizer Adeus

Aos réus, às vitimas, aos fariseus,

Às chuvas de março e aos ipês no breu

Jacarandás de aço como eu

No barranco, furados pneus

Aos cartões picotados e afanados


Eu preciso dizer Adeus

Aos pastéis, ao arroz e feijão sem vaidade

Baião de dois, de mil mornos e sem gás

À bandeira que agita a cidade

Tremula no rubro e negro de mim

Trémula... Trémula...

Nos carretéis dos andaimes

Nos motéis perfume


Eu preciso dizer Adeus

À arquitetura, às abandonadas esculturas

À arte sem cor, só dor demolição

À loucura da meia-noite no corredor

Nos pontos de açoite e chorinho

À candura do menino vadio

Que vazio chora baixinho

No meio fio, no meio fio

Marginal, das marginais


Eu preciso dizer Adeus

Aos filhos meus e teus

Estou por um fio de lamento

Sem tua mão quente

Nas valas, nos rios, nas veias

Da realidade da cidade

Do meu coração já doente


Eu preciso dizer Adeus

Às cabeças, aos monumentos

Neste Imperial momento

Sem querer ter documento

Ser especial, espacial

Na nave de um Cometa

A me levar

À sorte, ao norte, ou morte

E na janela sem nada dizer...

a Deus...a Deus...

Que tudo é normal.


Eu preciso dizer Adeus

Adeus...



POSTADO NO WWW.OVERMUNDO.COM.BR.

Nenhum comentário: